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Publicado: 09 Agosto 2019
O relatório especial das Nações Unidas “Mudanças Climáticas e Terra: Relatório especial do IPCC sobre mudança climática, desertificação, degradação da terra, gestão sustentável da terra, segurança alimentar e fluxos de gases de efeito estufa (GEE) em ecossistemas terrestres” [1], elaborado por mais de 100 pesquisadores de diversos países (incluindo o Brasil), foi lançado esta quinta-feira (8 de Agosto) em Genebra.
Segundo o relatório, a redução no consumo de carnes e sua substituição por alimentos de origem vegetal “apresenta grande potencial de mitigação [das mudanças climáticas], ao mesmo tempo em que gera benefícios significativos para a saúde humana. Até 2050, mudanças nos padrões de alimentação poderiam liberar milhões de quilômetros quadrados de terra, e reduzir as emissões globais de CO2 em até 8 bilhões de toneladas por ano”.
As conclusões do relatório vem a reforçar o que muitos já sabem. A atividade pecuária exerce enorme pressão sobre quase todos os ecossistemas da Terra. Por exemplo, um estudo recente publicado na revista Science [2], com colaboração de mais de 130 autores e dados de 119 países, demonstra que a produção de carnes (incluindo porcos, frango e peixes cultivados), ovos e laticínios usa 83% das terras cultiváveis do planeta (para pastagens e produção de ração) e é responsável pela maioria das emissões de GEE provenientes da produção de alimentos, embora forneça apenas 18% das calorias consumidas globalmente. Além das emissões, desmatamento, perda de espécies, poluição, degradação dos solos são alguns dos efeitos ambientais colaterais da atividade pecuária. No Brasil, um estudo do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável e da Agência Alemã para a Cooperação Internacional mostrou que as operações de abate e processamento de animais custam ao país, em danos ambientais, 371% a mais do que a receita que geram [3].
Propostas de Mitigação feitas pela Indústria
Algumas propostas de mitigação das emissões do setor pecuário se concentram na
intensificação dos sistemas de criação, ou na substituição de carne de bovinos por carne de animais cujos níveis de emissão de GEE são mais baixos. Ignoram-se, porém, vários das consequências negativas dessas medidas. A transferência de animais para sistemas industriais vem associada à necessidade de produzir ração para alimentá-los. Devido à ineficiência energética na produção de carnes, ovos e laticínios (ou seja, a quantidade de calorias e proteínas ingeridas pelos animais é maior do que a quantidade por eles produzida), grandes extensões de terra são usadas de forma ineficiente para a produção de ração (soja, milho). Sistemas intensivos também são frequentemente responsáveis por níveis elevados de poluição das águas e do solo. Além disso, a contribuição de sistemas intensivos nas emissões de metano é alta [2,4] , porém frequentemente ignorada.
“A atividade pecuária tem efeitos negativos (ambientais, éticos e de saúde) que vão muito além de seus impactos sobre as emissões de gases de efeito estufa. A redução no consumo de todos os tipos de carnes contempla esses aspectos.”
Medidas focadas somente na redução dos níveis de emissão de GEE não serão sustentáveis se afetarem negativamente outros serviços ambientais, a saúde da população ou se tiverem consequências éticas não aceitas pelos consumidores. Por exemplo, ganhos de produtividade na pecuária frequentemente provém do desenvolvimento de linhagens de animais (por exemplo, de frangos e suínos) de crescimento rápido e maior produtividade, animais estes que sofrem alta incidências de problemas ósseos, de articulação, dentre outras disfunções anatômicas e fisiológicas associadas à dor e sofrimento crônico. Outras medidas comuns incluem o confinamento dos animais em altas densidades, com privação de movimentação e expressão de comportamentos naturais. A manutenção dos animais em condições de saúde e bem-estar precárias também aumenta sua susceptibilidade a doenças e o risco de transmissão de zoonoses. Tais riscos são prevenidos com o uso rotineiro de antibióticos em grandes quantidades de forma profilática, procedimento este por sua vez associado à emergência de bactérias resistentes a antibióticos (um dos maiores problemas de saúde global atualmente).
A transição para uma dieta livre de produtos de origem animal contempla, no entanto, todos estes fatores: é benéfica para a saúde, para os animais, e para o planeta. O novo relatório da ONU reforça ainda mais as evidências neste sentido.
“Nenhum sistema é sustentável se uma proporção substancial da população o vê - atualmente ou no futuro - como moralmente inaceitável” [Donald Broom, professor Emérito em Cambridge, membro do Comitê Europeu de Saúde e Bem-estar animal]
Texto: Cynthia Schuck - Coordenadora do Departamento Científico e de Meio Ambiente
Fontes
1. Climate Change and Land — IPCC. https://www.ipcc.ch/report/srccl/
2. Poore, J. & Nemecek, T. Science 360, 987–992 (2018).
3. CEBDS. Natural Capital Risk Exposure of the Financial Sector in Brazil. (2015).
4. Wolf, J., Asrar, G. R. & West, T. O. Carbon Balance Manag. 12, 16 (2017).