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Publicado: 11 Junho 2021
Relação entre o consumo de carne e a produção da soja contribui com a redução na área plantada de culturas importantes como o arroz e o feijão, prejudicando o meio ambiente, a agricultura familiar e os hábitos alimentares regionais.
O protagonismo na balança comercial e o festejado desempenho econômico que a soja ocupa publicamente disfarça o avanço implacável da monocultura sobre os hábitos alimentares e agrícolas regionais. Juntamente com o milho, a oleaginosa representou mais de 90% de toda a safra de grãos colhida no Brasil na safra 2020/21, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). Mas não é apenas o avanço geográfico e cultural que preocupa. Quase toda essa produção é destinada à exportação e produção de ração, uma dinâmica produtiva conhecida como “complexo soja-carne”.
O “Dossiê crítico da logística da soja”, estudo sobre o tema desenvolvido pela Fase, revela que praticamente toda a produção da safra passada (2019/20) foi usada como base para produção de ração. Números compilados a partir de dados estatísticos da entidade que reúne as indústrias de óleo do setor (Abiove), revelam que cerca de 75% de toda a soja produzida foi exportada, sobretudo em grãos (61%) – em especial para a China (cerca de 49% do total produzido) – e, em menor medida, em forma de farelo (14%). O dossiê destaca ainda que a conexão com o consumo de carne fica ainda mais explícita no consumo doméstico. Frigoríficos de suínos e aves tendem a se concentrar em áreas onde a produção de soja está consolidada (o “centro” das cadeias), garantindo o suprimento estável de ração animal.
Agricultura de escala
O avanço da agricultura de escala produz efeitos em diversos estados do Brasil, sobretudo no deslocamento geográfico e redução de área plantada de arroz e feijão. Os estados do Maranhão, Mato Grosso e Goiás têm reduzido gradativamente a área plantada, enquanto Paraná, Rio Grande do Sul e Bahia registram oscilações constantes. O resultado dessa transformação é evidente: regiões tomadas pelo agronegócio, demarcadas por extensas paisagens monoculturais para a produção em escala industrial de carne, soja, milho, algodão e cana. Na outra ponta, quem cede espaço é a agricultura familiar, cuja produção é baseada majoritariamente na agrobiodiversidade e contribui com o fortalecimento dos mercados locais.
“Está cada vez mais difícil promover o acesso das populações à comida de verdade, saudável e variada. É muito comum que regiões importantes para a produção de commodities dependam da compra de alimentos de outras cidades para atender a população local. Não é exagero dizer que as monoculturas dominantes são verdadeiros ‘desertos alimentares’”, avalia Ricardo Laurino, presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB).
Políticas públicas
Segundo o dossiê, ao lado arroz, o feijão possui grande relevância na cultura alimentar brasileira. Ambas registram estagnação na produção e queda na área plantada. No entanto, o feijão é um dos alimentos cuja produção possivelmente mais oscila. São centenas de variedades de feijões adaptadas a diferentes condições climáticas e de solo, associadas sobretudo às lavouras para autoconsumo ou para venda nos mercados locais, regional e nacional. A comercialização em larga escala se restringe a poucas variedades, que são classificadas em dois grupos: (I) os feijões comuns – cores (ou “carioquinha”, que representa 59% da safra nacional) e preto (16%) – e o (II) feijão-caupi (25%), conhecido também por feijão-fradinho, feijão de corda ou macassar.
A consolidação de um conjunto de políticas públicas seria o melhor caminho para reverter a situação, segundo o dossiê. Investimento em pesquisa para validar e qualificar os sistemas tradicionais de produção, juntamente com o resgate das sementes de variedades crioulas adaptadas aos diferentes agroecossistemas da agricultura familiar seriam boas opções.
Diante das contínuas ameaças e da falta de apoio, a resiliência dos sistemas tradicionais e da agricultura familiar e camponesa é o que ainda ajuda a garantir variedade e qualidade alimentar, além de agrobiodiversidade.
SOBRE A SOCIEDADE VEGETARIANA BRASILEIRA
Fundada em 2003, a Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) é uma organização sem fins lucrativos que promove a alimentação vegetariana como uma escolha ética, saudável, sustentável e socialmente justa. Por meio de campanhas, programas, convênios, eventos, pesquisa e ativismo, a SVB realiza conscientização sobre os benefícios do vegetarianismo e trabalha para aumentar o acesso da população a produtos e serviços vegetarianos. Para mais informações, acesse www.svb.org.br ou os nossos perfis no Instagram, Facebook e Youtube.